sexta-feira, 24 de maio de 2013

Todos Somos (d)Eficientes?

Semana passada fui ao banco no qual tenho conta corrente fazer um saque e me deparei com uma situação que tomou minha atenção: filas enormes estagnadas enquanto a fila preferencial estava vazia. Olhei a placa que dizia: idosos, gestantes, mulheres com crianças de colo e pessoas com deficiência. Impossível é ler este termo (deficiente/deficiência) e não me lembrar de meus pacientes, especialmente os paratletas atendidos durante um projeto de extensão da faculdade. Todos odiavam o termo. E posso até imaginar o motivo.

De acordo com o Dicionário Compacto da Língua Portuguesa (1993), deficiência significa falha; insuficiência; falta, e deficiente é o mesmo que falho; incompleto. Busquei de propósito um dicionário antigo para ver se esse conceito mudou ao longo dos anos. O que me surpreendeu é que, segundo a literatura mais recente, o significado é praticamente o mesmo, embora, talvez, a concepção tenha
mudado um pouco. Muito pouco. Segundo Amiraliam et al.(2000), deficiência é

[...] perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente. Incluem-se nessas a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo, inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização de um estado patológico, refletindo um distúrbio orgânico, uma perturbação no órgão.

Atentem para a palavra “defeito”. Essa palavra opõe-se ao que entendemos por perfeito. Somos seres que apresentamos uma miríade de virtudes e qualificações, mas todos temos defeitos. Uma miríade também. Então, posso dizer que todos somos deficientes. Posso, se for de acordo com a literatura. Mas ainda assim não creio que devo dizer tal coisa.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (2011), “a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e barreiras comportamentais e ambientais que impedem sua participação plena e eficaz na sociedade de forma igualitária”. Atentem agora para a palavra eficaz. Não é de hoje que a maioria das pessoas vê, mesmo que de forma errônea, a palavra deficiente como antônimo de eficiência e pensa em “deficientes” como pessoas menos capazes, menos eficientes. Isso soa como ofensa a muitas pessoas. Esse termo pode soar mais segregador que inclusor.

Ao ler todos estes termos, pensei em fazer uma espécie de entrevista: perguntei a minha mãe e a minha irmã quais as primeiras palavras que vêm a suas mentes quando elas escutam a palavra “deficiente”. Minha mãe, Edilene, respondeu cadeira de rodas, muletas, AACD; já minha irmã, Aryelly – 11 anos, foi um tanto mais “romântica” e respondeu paraplégico, fisioterapeuta e preconceito. Ela ainda acrescentou: deficientes são as pessoas preconceituosas. Ri, agradeci a boa vontade e sinceridade de ambas e as questionei novamente: por que vocês usam óculos? A resposta foi basicamente a mesma tanto na sua estrutura quanto rapidez. Ambas me disseram que não tinham a visão perfeita, tinham uma falha. Segundo as definições que vimos até agora, elas tem uma deficiência, embora mínima.
Então se minha mãe entrasse na fila de deficientes no banco, e um guarda, por exemplo, a pedisse para sair, já que, segundo as normas, aquela fila é exclusiva e prioritária, ela não estaria errada ao pedir que ele sim, se retirasse de sua frente e respeitasse suas lentes de contato. Especialmente, quando a falta de seus óculos “impede sua participação plena e eficaz na sociedade”.

Bem, o que tento mostrar é que o termo deficiente, embora venha sendo modificado ao longo dos anos, é algo ainda muito complexo. Se formos analisar o que os inúmeros artigos entendem como deficiência, todos seremos deficientes. E embora não deva ser vista como uma ofensa, esta palavra ainda tem um componente forte e bastante segregador. E o que precisamos é de inclusão.
O problema vem agora: que termo deveríamos usar para essas pessoas? Não sei. Passei essas duas semanas tentando achar um termo que caísse bem e não consegui pensar em nada. Até porque “portadores de necessidades especiais” eu também não gosto nem um pouquinho. Portar algo ou não é totalmente opcional, e essas pessoas não tem escolha. E num mundo com indivíduos tão distintos, como denominar o que é “especial”?
Acho que esses indivíduos doam muito mais a sociedade do que podemos enxergar. Nossos paratletas dão show nas olimpíadas, só na do ano passado, em Londres, trouxeram 43 medalhas, sendo 21 de ouro. O que falar de Stevie Wonder? Realizei um sonho no dia que assisti a seu show. Pra mim, uma das melhores atuações de Christopher Reeve foi justamente quando já estava tetraplégico. E o Professor Stephen W Hawking que dispensa comentários? Sem falar nos inúmeros artistas, engenheiros, profissionais de saúde, advogados que ainda estão no anonimato.

Então prefiro dizer que somos todos eficientes! Óbvio que o seremos ainda mais nas nossas áreas. Certamente se alguém me perguntar algo sobre fisioterapia, saúde pública, algumas séries, livros ou música eu saberei responder. Mas se me perguntarem sobre astronomia ou tipos de solo, é “normal” que eu não saiba a resposta. Todos não podemos fazer tudo, bem como todos somos mais que eficientes em muitas coisas. Somos todos IGUAIS!

Até a próxima, pessoal!

Referências
1 - AMIRALIAN, M.L.T.; PINTO, E.B.; GHIRARDI, M.I.G.; LICHTIG, I.; MASINI, E.F.S.; PASQUALIN, L. Conceituando deficiência. Rev. Saúde Pública vol.34 n.1 São Paulo Feb. 2000

2 - NUBILA, H.B.V.; BUCHALLA, C.M. O papel das Classificações da OMS - CID e CIF nas definições de deficiência e incapacidade. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(2): 324-35

3 - OMS. World Report on Disability. 2011


Um comentário:

  1. Boa reflexão!!! É bem verdade que terminologias inapropriadas são comuns... Porém o que importa é a consciência de cada um. Incluir alguém na sociedade vai além de uma mera denominação, mas sim de atitudes. Com paciência e dedicação chegaremos lá.

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