Semana
passada fui ao banco no qual tenho conta corrente fazer um saque e me deparei
com uma situação que tomou minha atenção: filas enormes estagnadas enquanto a
fila preferencial estava vazia. Olhei a placa que dizia: idosos, gestantes,
mulheres com crianças de colo e pessoas com deficiência. Impossível é ler este
termo (deficiente/deficiência) e não me lembrar de meus pacientes,
especialmente os paratletas atendidos durante um projeto de extensão da
faculdade. Todos odiavam o termo. E posso até imaginar o motivo.
De
acordo com o Dicionário Compacto da Língua Portuguesa (1993), deficiência
significa falha; insuficiência; falta, e deficiente é o mesmo que falho;
incompleto. Busquei de propósito um dicionário antigo para ver se esse conceito
mudou ao longo dos anos. O que me surpreendeu é que, segundo a literatura mais
recente, o significado é praticamente o mesmo, embora, talvez, a concepção
tenha
mudado um pouco. Muito pouco. Segundo Amiraliam et al.(2000), deficiência é
mudado um pouco. Muito pouco. Segundo Amiraliam et al.(2000), deficiência é
[...]
perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou
anatômica, temporária ou permanente. Incluem-se nessas a ocorrência de uma
anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra
estrutura do corpo, inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização
de um estado patológico, refletindo um distúrbio orgânico, uma perturbação no
órgão.
Atentem
para a palavra “defeito”. Essa palavra opõe-se ao que entendemos por perfeito.
Somos seres que apresentamos uma miríade de virtudes e qualificações, mas todos
temos defeitos. Uma miríade também. Então, posso dizer que todos somos
deficientes. Posso, se for de acordo com a literatura. Mas ainda assim não
creio que devo dizer tal coisa.
Segundo
a Organização Mundial da Saúde (2011), “a deficiência resulta da interação
entre pessoas com deficiência e barreiras comportamentais e ambientais que
impedem sua participação plena e eficaz na sociedade de forma igualitária”.
Atentem agora para a palavra eficaz. Não é de hoje que a maioria das pessoas
vê, mesmo que de forma errônea, a palavra deficiente como antônimo de
eficiência e pensa em “deficientes” como pessoas menos capazes, menos
eficientes. Isso soa como ofensa a muitas pessoas. Esse termo pode soar mais
segregador que inclusor.
Ao
ler todos estes termos, pensei em fazer uma espécie de entrevista: perguntei a
minha mãe e a minha irmã quais as primeiras palavras que vêm a suas mentes quando
elas escutam a palavra “deficiente”. Minha mãe, Edilene, respondeu cadeira de
rodas, muletas, AACD; já minha irmã, Aryelly – 11 anos, foi um tanto mais
“romântica” e respondeu paraplégico, fisioterapeuta e preconceito. Ela ainda
acrescentou: deficientes são as pessoas preconceituosas. Ri, agradeci a boa
vontade e sinceridade de ambas e as questionei novamente: por que vocês usam
óculos? A resposta foi basicamente a mesma tanto na sua estrutura quanto
rapidez. Ambas me disseram que não tinham a visão perfeita, tinham uma falha.
Segundo as definições que vimos até agora, elas tem uma deficiência, embora
mínima.
Então
se minha mãe entrasse na fila de deficientes no banco, e um guarda, por
exemplo, a pedisse para sair, já que, segundo as normas, aquela fila é
exclusiva e prioritária, ela não estaria errada ao pedir que ele sim, se
retirasse de sua frente e respeitasse suas lentes de contato. Especialmente,
quando a falta de seus óculos “impede sua participação plena e eficaz na
sociedade”.
Bem,
o que tento mostrar é que o termo deficiente, embora venha sendo modificado ao
longo dos anos, é algo ainda muito complexo. Se formos analisar o que os
inúmeros artigos entendem como deficiência, todos seremos deficientes. E embora
não deva ser vista como uma ofensa, esta palavra ainda tem um componente forte e
bastante segregador. E o que precisamos é de inclusão.
O
problema vem agora: que termo deveríamos usar para essas pessoas? Não sei.
Passei essas duas semanas tentando achar um termo que caísse bem e não consegui
pensar em nada. Até porque “portadores de necessidades especiais” eu também não
gosto nem um pouquinho. Portar algo ou não é totalmente opcional, e essas
pessoas não tem escolha. E num mundo com indivíduos tão distintos, como denominar
o que é “especial”?
Acho
que esses indivíduos doam muito mais a sociedade do que podemos enxergar.
Nossos paratletas dão show nas olimpíadas, só na do ano passado, em Londres,
trouxeram 43 medalhas, sendo 21 de ouro. O que falar de Stevie Wonder? Realizei
um sonho no dia que assisti a seu show. Pra mim, uma das melhores atuações de
Christopher Reeve foi justamente quando já estava tetraplégico. E o Professor
Stephen W Hawking que dispensa comentários? Sem falar nos inúmeros artistas,
engenheiros, profissionais de saúde, advogados que ainda estão no anonimato.
Então
prefiro dizer que somos todos eficientes! Óbvio que o seremos ainda mais nas
nossas áreas. Certamente se alguém me perguntar algo sobre fisioterapia, saúde
pública, algumas séries, livros ou música eu saberei responder. Mas se me
perguntarem sobre astronomia ou tipos de solo, é “normal” que eu não saiba a
resposta. Todos não podemos fazer tudo, bem como todos somos mais que
eficientes em muitas coisas. Somos todos IGUAIS!
Referências
1 - AMIRALIAN,
M.L.T.; PINTO, E.B.; GHIRARDI, M.I.G.; LICHTIG, I.; MASINI, E.F.S.; PASQUALIN,
L. Conceituando deficiência. Rev. Saúde Pública vol.34 n.1 São Paulo Feb. 2000
2 - NUBILA,
H.B.V.; BUCHALLA, C.M. O papel das Classificações da OMS - CID e CIF nas
definições de deficiência e incapacidade. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(2):
324-35
Autora: Maryelly Freire
Boa reflexão!!! É bem verdade que terminologias inapropriadas são comuns... Porém o que importa é a consciência de cada um. Incluir alguém na sociedade vai além de uma mera denominação, mas sim de atitudes. Com paciência e dedicação chegaremos lá.
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